Eu acabara de chegar de uma viagem magnífica de mergulho em
Cozumel (México), quando recebi o convite de uma TV chinesa (Hunan TV) para
participar de um desafio num programa deles ao vivo na China.
O desafio era uma competição entre eu e o múltiplas vezes
recordista mundial Tom Sietas (Alemanha) para ver quem conseguiria ficar mais
tempo sem respirar embaixo da água. Entretanto, eles queriam fazer algo
diferente para tornar a competição mais desafiadora. Cada atleta faria sua
performance num tanque lado a lado onde a água começaria numa temperatura
extremamente fria (5ºC) e se aqueceria até uma temperatura extremamente quente
(40ºC). Pelas regras, poderíamos respirar O2 puro antes da performance.
Acredito que o maior desafio para qualquer ser vivo existente
é sobreviver: conseguir comida, água, um abrigo para se proteger do frio/calor,
se manter longe dos predadores e livre de doenças. Entretanto, para muitos de
nós, seres humanos, esses desafios mais essenciais de sobrevivência já foram,
de certo modo, superados. Temos comida, casa, cama para dormir, roupas para se
adaptar ao clima e remédios para combater doenças.
Neste cenário onde sobreviver já não é uma tarefa tão
desafiadora, acabamos procurando outros desafios e atividades na vida para
torná-la algo mais emocionante. Tem gente que se joga de aviões, prédios e
montanhas para abrir no ar uma espécie de tecido que amortece a sua queda. Tem
gente que vai para o mar com uma prancha e fica o dia inteiro sendo arrastado
pelas ondas. Tem gente que se reúne com outras pessoas e ficam correndo atrás
de uma bola. Tem gente que vai para debaixo d’água para ficar sem respirar.
Então porque não tornar a vida um pouco mais emocionante
ficando sem respirar embaixo da água e, de quebra, conhecendo a China? Pagando
bem, que mal que tem?
Assim, logo topei a proposta da TV.
O convite foi feito muito em cima da hora, há apenas 2
semanas do desafio que seria no domingo do dia 03/06/2012. Eles ainda queriam
que eu chegasse lá com uma semana de antecedência. Mal dava para acreditar que
daria tempo de reunirem tudo o que precisávamos para o evento e a viagem. Mas a
China é um país de pessoas determinadas e, por incrível que pareça, conseguiram
organizar tudo.
Embora a apneia seja um esporte individual, dependemos muito
de outras pessoas, especialmente para a nossa segurança. É essencial que seja
alguém qualificado e de confiança. Neste contexto, convidei para ser o meu
dupla de segurança o experiente mergulhador e amigo Marcus Werneck. Ele já
havia sido o meu técnico quando eu quebrei o recorde mundial de apneia com O2
puro. Poderia me ajudar não só na segurança e manejo dos equipamentos, como
também estava disposto a passar qualquer tipo de perrengue comigo durante esta
viagem para um país de cultura totalmente diferente da nossa.
Após intensa negociação com o sr. Yang Tao da Hunan TV sobre
tudo o que precisávamos para a viagem, tiramos o visto correndo e no sábado do
dia 26/05 já estávamos embarcando para uma longa jornada de mais de 30 h entre
aviões e aeroportos até o nosso destino final, a cidade anciã de Changsha,
fundada há mais de 2 mil anos.
Fomos muito bem recebidos pela Hunan TV, com direito a
flores e presentes logo na chegada ao Aeroporto de Changsha. Ficamos hospedados
num hotel 5 estrelas próximo a estação de TV e recebemos o tempo todo
tratamento VIP.
Logo no dia seguinte de minha chegada, conheci o meu
oponente, o alemão Tom Sietas. Na verdade, o Tom sempre foi o meu ídolo na
apneia. Quando eu estava começando, ele já era detentor de todos os recordes mundiais
da AIDA nas modalidades de piscina. Foi o primeiro ser humano a quebrar
oficialmente a barreira dos 10 min de apneia estática (sem uso de O2). Uma
verdadeira lenda de nosso esporte e alguém que eu sempre me inspirei.
Quando eu comecei quebrar recordes e participar de
campeonatos mundiais, tive a grande felicidade de conhecer muitos ídolos do meu
esporte. Grandes nomes e recordistas que antes eu só havia visto em reportagens
e vídeos na TV ou internet. Infelizmente, o Tom, embora um de meus maiores
ídolos, não estava nesse grupo, pois ele já havia parado de competir. Deste modo,
encontrá-lo na China para participarmos juntos de um programa de TV foi uma
satisfação imensa.
Como eu já poderia imaginar, o Tom é uma pessoa muito
tranqüila e gente boa. Logo, eu e Werneck fizemos amizade com ele e seu
assistente (também muito gente boa), sr. Andrew.
Infelizmente, quase não foi possível fazer turismo durante
esta viagem. A nossa rotina consistia em treinar na piscina pela manhã e, durante à tarde e à noite, participar de gravações para a TV.
Em um dos dias que fomos treinar, o Tom promoveu uma
tentativa de recorde de apneia com O2 puro para o Guinness e conseguiu o novo
recorde mundial com a marca de 22`22``. Participamos como juízes e testemunhas
desta incrível façanha e ficamos muito contentes por ele.
Antes de eu viajar, um aluno meu que já havia experimentado
algumas viagens para a China disse que eu deveria estar com a mente aberta e
preparado para um choque cultural muito grande. De fato, ele tinha toda a
razão.
Eles são muito diferentes de nós ocidentais. Não dá para
explicar em poucas palavras. Para citar apenas alguns exemplos que me chamaram
a atenção em Changsha, destaco:
1- Comida
muiiiito apimentada. Você encontra pimenta fatiada em todos os pratos.
2- Bebidas
quentes. Dificilmente encontramos bebidas geladas. Também é muito difícil
conseguir gelo nos restaurantes. Até uma coca cola é servida em temperatura
ambiente, sem gelo.
3- Trânsito
de louco. Chega a ser engraçado ver os carros e motos entrando o tempo todo na contramão.
Parece ser uma infração tão branda quanto nós pedestres brasileiros
atravessando fora da faixa.
4- Trabalho
duro. Os chineses que mantivemos contato pareciam trabalhar umas 14 horas por
dia, sem exagero.
5- Ingenuidade.
Levavam ao pé da letra todas as piadinhas sem graça que eu o Werneck fazíamos.
Por mais absurdas que fossem as nossas histórias ou afirmações, eles achavam
que estávamos falando sério, hehe.
Pelo menos dois dias da semana foram destinados a uma
bateria de exames médicos no hospital. Eles queriam investigar se nós tínhamos
alguma característica física ou fisiológica que nos tornaria mais aptos a fazer
apneia por longos períodos. Infelizmente, não recebemos os resultados de todos
os exames. De modo geral, apenas parâmetros como capacidade pulmonar e
oxigenação do sangue registraram valores acima da normalidade. Os resultados
entre eu que meço 1,91 m e o Tom (1,93 m) foram muito similares.
Nossa comunicação era toda em inglês, sendo sempre intermediada
por tradutores, já que poucos chineses falavam inglês. Por necessidade, me senti
obrigado a aprender pelo menos meia dúzia de frases e expressões em mandarim. Ficava
todo bobo quando conseguia falar com um estranho.
Para mim, o desafio ia muito além de fazer apneia num tanque
de água fria que iria se esquentando. Fazíamos parte do show. Então, era a
nossa obrigação ajudar a organizar aquilo tudo. Trabalhamos duro para que tudo
desse certo.
Eu ficava imaginando como seria se as coisas dessem errado.
O quanto de energia e dinheiro que haviam sido gastos naquilo. Senti um peso de
responsabilidade enorme nas minhas costas. No dia do show, tínhamos um tempo
exato para dar entrevistas, respirar o O2 e partir para a performance. Qualquer
mínimo vacilo poderia comprometer todo o evento.
No fundo, eu gosto de sentir essa adrenalina. Para mim, o
verdadeiro desafio é aquele onde existe real possibilidade de falha. Não
considero um desafio quando você já sabe que tudo vai dar certo.
O programa Mango Broadcast da Hunan TV foi assistido por
mais de 10 milhões de pessoas, atingindo a quarta maior audiência na China
naquele momento. Cabe ressaltar que a China possui mais de 100 canais de TV. O
resultado pode ser conferirido no vídeo abaixo.
Agradeço a todos que fizeram parte desta espetacular
experiência direta ou indiretamente, especialmente o sr. Yang Tao, Marcus
Werneck, senhoritas Cindy e Grace, Tom e Andrew, toda a produção do programa, meu
irmão Rodrigo e a Fun Dive.
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