sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Treino intervalado de corrida para desenvolver a apneia

O treino intervalado consiste em tiros de curta duração com máxima velocidade por intervalos curtos de descanso em repouso. Geralmente é feito entre 6-10 repetições.

É excelente para a apneia, pois, além de melhorar o condicionamento cardiorespiratório, ajuda a estender o limiar anaeróbio.

De acordo com Gazzoni (2003) “o limiar anaeróbio é a intensidade de exercício onde o nível de lactato sangüíneo apresenta um ponto de quebra de linearidade, e vem a se acumular de forma mais intensa do que vinha apresentando em intensidades de exercício mais leves.

Em qualquer intensidade de exercício existe produção de lactato, porém em intensidades abaixo do limiar esse lactato não se acumula, pois a velocidade de remoção é igual à velocidade de produção. O lactato só irá se acumular quando a velocidade de remoção for inferior a de produção.”

No caso da apneia, onde realizamos esforço prendendo a respiração, rapidamente atingimos o limiar anaeróbio e o corpo começa a acumular lactato. Portanto, conseguir estender este limiar é uma etapa fundamental da preparação física de um apneísta.

Além das vantagens supracitadas, o treino intervalado promove a queima de gorduras, melhora a captação do oxigênio e aumenta a disposição no dia a dia.

Um treino que costumo fazer e que serve de aquecimento para outras atividades de musculação que fazem parte da minha preparação é um treino intervalado onde o intervalo entre as séries (repouso) consiste de uma atividade aeróbica de alta intensidade. Ou seja, na verdade, você não tem um repouso propriamente dito e simplesmente continua correndo, só que numa velocidade menor do que a do tiro.

O treino/aquecimento que me refiro do vídeo abaixo foi o seguinte:

4 séries de tiro de 1 min correndo a 20 km/h na esteira por 1 min de descanso correndo a 15 km/h, totalizando 8 min de atividade.

Notem que o primeiro minuto eu começo correndo a 15 km/h e só dou início aos tiros a 20 km/h no segundo minuto. Observem também que nos últimos dois tiros eu não consegui completar um minuto e fiz um pouco menos.

Lembrando que este é um exercício que exige muito da capacidade cardiovascular e é muito importante estar em boa condição física e de saúde.

Segue o vídeo do treino/aquecimento que a minha amada namorada, Elisa Flores, gravou pra mim:



Referência:


Gazzoni, C. (2003). Fisiologia do Exercício - Ponto de Vista

Limiar Anaeróbio: Visão Geral. Disponível em: http://www.saudeemmovimento.com.br/conteudos/conteudo_frame.asp?cod_noticia=945  

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Lung Squeeze (barotrauma pulmonar de descida) e o acidente com apneísta americano nas Bahamas

Esta semana o mergulho livre recebeu uma triste notícia. O recordista de apneia americano Nicholas Mevoli desmaiou e morreu logo após retornar de sua performance de 72 na modalidade lastro constante sem nadadeiras como resultado de um barotrauma pulmonar de descida. É a primeira vez em 21 anos da Associação Internacional para o Desenvolvimento da Apneia (AIDA) que um atleta morre durante uma competição. Maiores detalhes sobre o ocorrido podem ser vistos em: http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/the-new-york-times/2013/11/19/mergulhador-americano-morre-ao-tentar-bater-recorde.htm

Muitos amigos que mergulham em apneia, assim como eu, ficaram chocados com a notícia e gostariam de entender melhor o que pode ter acontecido e o que poderia ter sido feito para evitar este acidente. Vou então tentar contribuir.

Praticamente todos os mergulhos em apneia que já fiz em minha vida abaixo de 50 m de profundidade resultaram neste mesmo tipo de barotrauma pulmonar que supostamente o Nicholas sofreu. Evidentemente, com menor gravidade do que o dele.

Você termina o mergulho e, quando chega à superfície, sente dificuldade de respirar, falta de ar e não consegue encher completamente os pulmões. Sente que tem algum fluido nos pulmões que faz um chiado ao respirar. A sensação é bem parecida com estar cheio de catarro. Naturalmente, você sente vontade de tossir e puxar o “catarro” de dentro. Ao cuspir, verifica que não tem nada do Hulk no cuspe, nem tampouco saliva, o cuspe é praticamente todo de sangue.

Dependendo da intensidade do barotrauma, você fica uns 1-2 dias cuspindo sangue. Enquanto ainda tem sangue nos pulmões, você não é ninguém. Por mais que esteja em plena forma física, fica extremamente cansado ao fazer qualquer atividade que não seja ficar deitado. A saturação de O2 no sangue diminui e uma caminhada de 100 m parece uma corrida de uma maratona. Mas o que então acontece?

Primeiro é importante entender alguns conceitos relacionados a volumes pulmonares. O nosso volume pulmonar total (TLV) consiste na capacidade total de armazenamento de ar nos pulmões após uma inspiração forçada. O nosso volume residual (RV) é o volume de ar que permanece nos pulmões após uma expiração forçada. O volume residual existe  porque você nunca conseguirá esvaziar completamente os pulmões. Sempre fica um pouco de ar para, pelo menos, manter os alvéolos abertos.

À medida que vamos descendo e ganhando profundidade numa imersão em apneia, o ar contido em nossos pulmões vai sendo comprimido juntamente com os próprios pulmões. Em teoria, se você atingir uma profundidade em que os seus pulmões estejam comprimidos a volumes menores do que o seu volume residual, você tem grandes chances de sofrer um lung squeeze (aperto do pulmão, da tradução para o Português), que é o também chamado barotrauma pulmonar de descida. Trata-se de um rompimento (hemorragia) dos estreitos vasos sanguíneos (capilares) que fazem as trocas gasosas com os alvéolos (edema pulmonar). É como se a pessoa se afogasse com o próprio sangue.

Existe uma fórmula para determinar a profundidade máxima teórica que um apneísta poderá mergulhar sem que os seus pulmões sejam comprimidos a volumes inferiores ao do volume residual. A fórmula é TLC/RV = profundidade em ATM. Portanto, se um indivíduo possui 10 litros de TLC (volume pulmonar total) e 2 litros de RV (volume residual), o limite para os seus pulmões se comprimirem até o volume residual seria 5 ATM (= 40 m).

Como falei, este se trata e um limite teórico. Na prática, os apneístas conseguem ultrapassar o limite teórico devido ao fenômeno de adaptação fisiológica conhecido como blood shift (deslocamento de sangue). O blood shift geralmente ocorre com o mergulho em profundidade em apneia. Há uma vasoconstrição periférica onde os membros (braços e pernas) param de receber sangue, que se desloca para região do tórax e pulmões. Como resultado, os vasos capilares dos pulmões, agora mais “estufados” se projetam para dentro dos espaços alveolares substituindo o ar e resultando em uma redução no próprio volume residual que, por sua vez, estende o limite de profundidade.

De qualquer modo, mesmo com o blood shift que protege os pulmões contra a compressão, os capilares são muito sensíveis e podem se romper facilmente, particularmente em algumas situações. As circunstâncias mais freqüentes para a ocorrência de lung squeeze são:

1) Realizar imersões profundas sem aquecimento. O corpo precisa se adaptar aos poucos à profundidade para os pulmões irem ganhando elasticidade negativa.

2)     Segurar contrações durante mergulho profundo. Se você começar a sentir vontade de respirar e tiver contrações em uma profundidade em que o seu pulmão já esteja bastante comprimido, o movimento do diafragma movimentando o abdômen para dentro irá gerar uma pressão negativa ainda maior nos pulmões, aumentando o risco de lung squeeze.

3) Tentar equalizar usando a manobra de Valsalva durante mergulho profundo. Em grandes profundidades, seus pulmões estarão muito comprimidos. Se você tentar remover o pouco ar que ainda restam neles para equalizar os ouvidos, a chance de sofrer um barotrauma será grande. Por isso, nós apneístas utilizamos a manobra de Frenzel, onde a equalização é executada utilizando-se apenas do ar contido na boca.

4)   Realizar imersões com os pulmões vazios. Se você soltar o ar antes de mergulhar, seus pulmões serão comprimidos até o volume residual numa profundidade muito inferior do que aquela que eles seriam se tivesse enchido completamente os pulmões. Isso poderia levar a barotraumas mesmo no raso, como em 5 m de profundidade.

5)   Tensão, falta de relaxamento e/ou falta de elasticidade negativa da caixa torácica. Geralmente o medo ou ansiedade causa tensão, propiciando o barotrauma. A ausência de elasticidade negativa da caixa torácica é muito comum em atletas especialistas em modalidades de piscina. Estes geralmente treinam muito para encher bastante os pulmões (elasticidade positiva da caixa torácica), mas pouco para conseguir esvaziá-los bem (elasticidade negativa), enfrentando dificuldades no mergulho em profundidade.


No caso do Nicholas, devemos considerar alguns fatores que podem ter levado ao grave barotrauma que resultou em sua morte:

1) Segundo relatos de amigos, o Nicholas teria sofrido um lung squeeze dois dias antes num mergulho que fez a 95 m de profundidade. Isso significa que ele não teve tempo suficiente para se recuperar e a cicatrização dos vasos rompidos ainda não estava completa.

2) Durante o mergulho a 72 m que levou a sua morte, Nicholas teve problemas a 68 m (possivelmente dificuldade de equalizar) e fez a virada para abortar o mergulho e retornar à superfície. Entretanto, em frações de segundos, mudou de ideia e decidiu forçar um pouco mais e descer os 4 m que restavam para atingir sua meta de 72 m. Isso certamente gerou uma tensão e esforço extra, que, juntamente com uma possível tentativa desesperada de forçar a equalização, pode ter propiciado o lung squeeze.

3) A modalidade de lastro constante sem nadadeiras que o Nicholas estava praticando exige um esforço muito grande, podendo gerar vontade de respirar e contrações no diafragma ainda na descida ou início da subida, quando os pulmões estão muito comprimidos. Isto também favorece um lung squeeze.

4) O fato de se estar em uma competição internacional com grandes chances de boa colocação e recorde e apenas uma chance para realizar o mergulho imprime uma pressão muito grande ao atleta que estava treinando há meses só para aquele momento. O certo seria se todos abortassem o mergulho se não estivessem se sentindo 100%, mas na prática não é o que acontece em competições. Fica a lição de que nenhum recorde vale a sua saúde e integridade física.

Dada as circunstâncias, o barotrauma do Nicholas foi muito intenso e o extravasamento de muito sangue para o interior dos pulmões impediu uma troca gasosa eficiente. Ele parece ter morrido afogado no próprio sangue.

Não conheci o Nicholas, mas soube que ele era muito querido por todos. Registro aqui as minhas condolências a sua família e amigos.

Finalizo o post com o link para algumas dicas da amiga e atleta Kathryn Mcphee para evitar o lung squeeze e como proceder caso aconteça: http://kathrynmcphee.blogspot.com.br/2009/11/lung-squeeze-clarified.html